[Resenha] Garotas de Vidro - Laurie Halse Anderson!

[Resenha] Garotas de Vidro - Laurie Halse Anderson!

Título: Garotas de Vidro 

Autora:  Laurie Halse Anderson

Editora: Novo Conceito

Resenha: O livro é narrado em primeira pessoa por Lia, uma adolescente que após uma aposta com Cassie, sua melhor amiga, para ver quem ficava mais magra, decidem fazer um pacto para juntas, serem as garotas mais magras da escola. O que aparentemente parecia uma proposta boba se tornou o mantra das duas amigas que não conseguiam mais discernir o que era saudável, do que poderia ser um problema e assim mergulham num poço onde nem todas tiveram a mesma força para voltar à superfície.

Com uma narrativa voltada para os dilemas da protagonista, Garotas de Vidro nos mostra a força que há em uma amizade mesmo com seus altos e baixos, nos mostra o quanto ter metas, ou até sonhos - mesmo que utópicos - juntos com uma amiga, torna tudo mais sólido. Poderia ser uma história de companheirismo, de refúgio, lealdade... Isso se Cassie não tivesse sido encontrada morta em um quarto de motel. E como se isso já não fosse muito, ela descobre que a amiga antes de morrer a telefonou – necessariamente – 33 vezes. E é com essa premissa que o drama de Lia tem início.

Assustada e lutando contra todos os seus fantasmas anteriores, aliados a uma família que está longe de ser perfeita, com um pai ausente e uma mãe controladora, Lia vive da constante frustração que é achar que não serve para nada, que tudo está errado com ela e que ela só traz problemas para todos. Quase recuperada de uma internação por seu distúrbio alimentar e paciente freqüente das sessões de terapia, ela vive o drama das vítimas que são escravas do próprio corpo e de todas as limitações de uma vida saudável. Lia quer ser boa em algo e encontra nesse problema a válvula de escape para provar a si mesma que pode pelo menos ser boa em diminuir seu peso e viver bem comendo pouco – ou quase nada, sustentando o mecanismo que foi plantado em seu consciente de que estar vazia é ser forte.

Para Lia, ter o controle da sua alimentação lhe traz força e o controle sobre si mesma. Vencer a fome é ter poder! E é aí que paramos para pensar no quanto um problema pré-existente de autoestima, impotência, vulnerabilidade ou até complexo de inferioridade pode desencadear outros problemas ainda piores, quando pessoas como Lia sentem a necessidade de provar algo para si mesmas para assim mostrar que não são tão vulneráveis quanto parece. E aí conseguimos também “entrar na mente” da personagem e entender todas as suas paranóias, medos, fraquezas e cobranças.

No desenrolar da história conhecemos a vida das amigas à partir das lembranças de Lia... E a morte de Cassie passa a ter mais força, nos mostrando o quanto esse acontecimento fatídico influenciará na vida e no futuro da personagem, que além de ter de suportar todos os seus dramas, precisa se livrar da culpa que passou a carregar nas costas pela morte da amiga. Sem falar das lutas para evitar as recaídas.

Achei uma cartada inteligentíssima da autora em abordar um tema como esse que não é muito visto por aí. Com uma rotina turbulenta após a morte de Cassie e abalada emocionalmente, Lia se vê contando com muito mais intensidade as calorias do que ingere, fingindo comer, fingindo estar bem, fugindo dos conselhos de todos e deixando-se cair em todos os buracos que um problema como esse abre... Além do fantasma de Cassie que vez ou outra volta para atormentá-la dizendo estar com saudades e que está a esperá-la, tornando a mente da protagonista muito mais perturbada aliada ainda a todas as vozes que escuta dizer ao seu ouvido, “por que você não atendeu a ligação?”

Para tanto, é nessa turbulência que nossa protagonista se vê à beira de um precipício e nós podemos sentir com clareza a sensação de alguém à beira da morte. A autora descreveu muito bem as cenas finais quando Lia vê de perto o seu próprio fim e quando Cassie finalmente parte de verdade.

Ainda vale ressaltar a relação tão singela que Lia tem com sua meia-irmã e com sua madrasta, o que deu todo o diferencial. Jennifer foi uma personagem secundária que contribuiu e muito para o sucesso da protagonista, mesmo estando em meio a guerra familiar que era os pais da Lia.

No mais, uma história esclarecedora e intensa sobre um problema tão grave e que pouca gente dá a devida importância. Uma história que nos sufoca e nos leva a sofrer junto com a personagem, mas retrata com clareza a situação das milhares de Lia’s que existem por aí, muitas vezes incapazes de lutar para salvar a si mesmas, seja porque não tem apoio, ou porque a sociedade está ocupada demais com problemas irrelevantes.

– Desculpe – eu digo. – Desculpe por não atender o celular.

Os olhos dela brilham como estrelas.

– Desculpe por não ter ligado antes.

Finalizo com esse quote, que indiscutivelmente foi a parte que mais me tocou na história toda. Deixando claro o quanto o apoio, a mão estendida de alguém - seja lá quem seja – na hora certa, pode ser aquela luz no fim do túnel que todo mundo com esse tipo de problema precisa, mas que infelizmente estão muito doentes para se darem conta disso quando o tem. E totalmente desorientados e frágeis quando não o tem.