[Resenha] A Garota Alemã - Armando Lucas Correa!

Título: A Garota Alemã

Autor: Armando Lucas Correa

Editora: Jangada


Resenha: O livro é dividido em capítulos que intercalam entre passado – 1939 e anos posteriores e presente, 2014.

No passado, temos uma narrativa em primeira pessoa sob o ponto de vista de Hannah Rosenthal, que é uma criança de 11 anos, vive em Berlim e desde muito cedo conheceu o sofrimento, crueldade e as limitações de uma Alemanha nazista, comandada por Adolf Hitler - responsável por uma guerra prestes a ser declarada. Em 1939 Hannah conheceu a consequência daquele horror de perto!
Cercada de privilégios por ser filha de professor e de uma mulher bem vista da alta sociedade, tinham uma vida confortável num prédio residencial onde seus pais eram donos. Sua infância fora saudável e harmoniosa na companhia do seu melhor amigo, Léo Martin, que era sua companhia inseparável de brincadeiras, desabafos e aventuras. Mas tudo começa a desmoronar quando Berlim é invadida por nazistas e uma grande caça aos judeus é declarada. Como eram descendentes dessa raça e ainda em meio a todos os conflitos de uma perseguição que fora iniciada sem piedade, seus pais, que antes eram vistos com bons olhos, se veem sem muitas escolhas e obrigados a deixar as pressas o lugar que sempre viveram, deixando para trás tudo que suaram para construir e conquistar.

De antemão Hannah não entende porque precisam deixar o lugar que até então era o seu lar e não entende porque agora são tão desprezados até pelos moradores do seu prédio, que os insultam e os chamam de “impuros”. Ela não entende porque passaram a ser tão desvalorizados, mas começa a entender que Berlim já não os pertence mais e que precisam fugir para tentar sobreviver.
Com a situação se agravando a cada dia, Max, seu pai, com muito esforço e gastando todas as suas economias de anos, luta para conseguir passagens e vistos para que eles possam se juntar a outras centenas de refugiados que se preparam para partir para Cuba. Hannah tem todas essas informações através de Léo, que mesmo com tão pouca idade, é um garoto inteligente, inquieto e observador. Ouve com muita astúcia a conversa dos adultos e consegue os manter informados de coisas que seus pais preferem não dividir. E assim, todos passam a ter seus vistos e passagens para embarcar no St. Louis, o maior transatlântico da história, rumo à libertação.

A partida veio com todas as incertezas. Ali estavam centenas de famílias que adentravam o mar europeu em busca de sobrevivência, indo para um país onde não faziam a menor ideia se seria fácil se adaptar ou das surpresas que poderiam encontrar por lá. Mas diante de todas as adversidades, eles sabiam, naquele momento, que a única coisa que importava era sobreviver.
Pareciam estar vivendo um sonho, a esperança vivia em cada um, a orquestra tocava, as crianças animadas, corriam pelo convés. A cada novo jantar no luxuoso salão, a expectativa se renovava. Mas como imprevistos acontecem, antes de chegar à Cuba e mesmo possuindo as autorizações de desembarque, as mensagens começavam a chegar e não traziam boas novas: Havia tido uma alteração no decreto invalidando a maioria das autorizações, impedindo assim que o navio atracasse. Somente os refugiados que possuíam as autorizações pelo Departamento de Cuba poderiam desembarcar. E isso foi suficiente para mudar a atmosfera do lugar, desestruturando centenas de famílias que possuíam o sonho de se salvar juntos. A sensação era de estar indo de encontro ao próprio calvário, numa enxurrada de despedidas que eles mal poderiam deduzir se seriam as últimas.
Hannah e sua família estavam entre essas famílias que seriam desfeitas e em meio a decisões entristecedoras, viram naquele navio, que antes parecia ser o seu ponto de salvação, o começo de um pesadelo. Naquele ano a pequena Hannah descobria, da forma mais cruel, que a vida não tem nada de mar de rosas.


Por outro lado, no presente, também narrado em primeira pessoa, o livro nos apresenta Anna Rosen, que antes do seu nascimento perdeu seu pai na tragédia de 11 de setembro em Nova York. Depois do ocorrido, sua mãe perdeu a vontade de viver e Anna enfrentava uma luta interior árdua de não deixar a mãe se abater ainda mais pela tristeza da ausência e tampouco deixar-se se contagiar também. Tudo muda quando elas recebem uma carta que uma tia-avó de Anna. E quando elas achavam que estavam sozinhas no mundo e que nunca conheceriam a história da família da menina, partem para Havana-Cuba, para conhecer Hannah, a senhora de 87 anos que tem muito a lhes contar, num encontro de duas gerações que lutam pela paz interior.

Com o encontro desses dois mundos, vemos a história sendo contada pelos olhos da criança que agora, com seus 87 anos, nunca esqueceu do que a guerra causou à sua família, à sua vida. Ao passo que assim vamos conhecendo a história do pai que inevitavelmente teve sua vida tirada e jamais pôde saber da existência da sua própria filha. Conhecer a história dessas duas crianças e ver a forma com que estavam conectadas é revigorante.

Vemos duas histórias entrelaçadas por um dos cenários mais tristes da história! Conhecemos a história da menina que muito cedo teve de lidar com os conflitos da II Guerra e assim deixar sua cidade na esperança de uma nova vida, embarcando numa viagem dramática a bordo do St. Louis - o navio que saiu de Hamburgo para Havanna levando a expectativa de 937 refugiados. E a história da menina que sempre sofreu pela ausência do pai, por nunca ter tido contato com a história dele e ainda ter de sofrer a tristeza da mãe. Um paralelo fascinante de duas histórias igualmente emocionantes, narradas por duas crianças fortes e determinadas e que muito cedo tiveram que despertar o seu lado maduro e responsável e crescer além da idade que tinham.

Baseado em fatos reais, o livro é dividido em 4 partes que tão bem exploram a história do navio que partiu levando a esperança de um povo e de quebra, ainda nos presenteia com a história comovente dos Rosenthal.
De escrita ágil e prazerosa, dificilmente vemos livros dessa temática com essa facilidade de degustação. E embora seja uma história de enredo doloroso, que como consequência disso, nos deixa com aquela reação de perplexidade, aliada ao famoso nó na garganta e coração apertado, Armando conseguiu fazer com os pontos positivos da história – ainda que poucos -, nos fizesse apreciar também a beleza por trás de um enredo devastador. Acredito que porque presenciamos o tempo inteiro a força e luta dos personagens, que é impossível não torcer para que em algum momento as coisas melhores tanto para Hannah, quanto Ana e é impossível não abrir um sorriso a cada vez que a víamos menos tristes.

De narrativa tocante, intensa, sensível, o autor nos traz uma história dura, melancólica, mas que nos mostra força, determinação e principalmente coragem frente ao cenário da II Guerra Mundial - que nos elucida as dores emocionais que são capazes de ceifar vidas e transcender gerações. É uma história que fala de partidas e chegadas, de amizades e perdas, de laços intensos e despedidas. De horror e injustiça, mas também do amor que ultrapassa barreiras. Assim como, do destino e suas surpresas.
Um livro profundo. Uma história rica em detalhes históricos e com personagens que nos trouxeram dor e esperança ao mesmo tempo.

Para quem aprecia histórias nesse estilo, é uma leitura obrigatória! A garota Alemã é um dos melhores livros que eu já li com essa temática. Um livro que irá te causar inúmeras sensações. Armando nos presenteia com inúmeras reflexões, nos brinda com personagens que nos relembram o verdadeiro valor da amizade, lealdade, coragem, persistência, garra e esperança. Um livro que nos mostra o quanto muitas vezes os erros de uns, afetam todos. O quanto nossas escolhas enquanto sociedade podem influenciar o todo e marcar a vida de gerações. Uma história que nos traz a verdadeira expressão de “feridas na alma” e do quanto isso pode ser fruto dos seus antepassados, da mesma forma que pode transcender à gerações futuras. Um livro revigorante e que também nos faz refletir sobre os verdadeiros valores.

(Lista original dos 937 passageiros a bordo do St. Louis)

Escrita impecável e inteligente. É perceptível o cuidado que o autor teve de coletar informações sobre o que aconteceu àquele navio. Em nota ele explica que a tragédia do St. Louis é um tópico ignorado nas salas de aula e nos livros de história, que os documentos simplesmente "desapareceram" dos Arquivos de Cuba, com isso veio a vontade dele de mostrar para o mundo a realidade dos 937 passageiros a bordo de um navio em busca do final feliz que nunca veio.

Eu não tinha conhecimento da história do St. Louis até ler o livro e saber que o autor e sua obsessão por uma história que resolveram ocultar, me faz admirá-lo ainda mais. Ele traz de forma desnuda fatos inaceitáveis e cruéis que hoje infelizmente pintam a história da nossa humanidade - mesmo com as tentativas de camuflarem parte delas. Tive muita admiração também pelo Capitão Gustav Schroder, que tentou de todas as formas abrir as portas dos outros países para os refugiados. Sua luta, sua garra e empenho em salvar vidas - vidas de pessoas que ele mal conhecia -, me despertou para um apreço imenso.
A Garota Alemã é o tipo de livro para você que aprecia uma história bem construída, intensa, dramática e linda, um enredo sobre destinos ceifados pela guerra. Sobre realidades traçadas, mas também da força para lidar com elas.

Eis aqui uma das melhores histórias sobre a II guerra mundial que já tive o prazer de ler. E finalizo com as próprias palavras do autor: “Uma história que precisa ser contada, para que nunca se repita.”

3 comentários:

  1. Oi, Thay!
    Tenho que confessar que poucas vezes paro pra ler uma resenha toda. E a sua, mesmo grande, me prendeu até o final.
    Não sei se porque eu amo livros sobre a segunda guerra mundial, ou se porque você escreve muito bem e sua resenha está maravilhosa.

    Que história linda, eu também não conhecia a história desse navio. Mas quanta coisa vive ocultada daquela época, né? Essa, infelizmente, é só mais uma! Eu amei conhecer essa parte da história que ninguém me apresentou.
    Vou comprar esse livro com certeza!
    Obrigada por dividir conosco suas impressões.
    Sinto que realmente é um livro que precisa ser lido!

    Beijos!!!

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  2. Oi, Thay!
    Não conhecia o livro e confesso que pela sua resenha me senti muito atraída pelo livro. AMO esses assuntos de guerras, com certeza irei comprá-lo!
    Beijos!!

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  3. Oi Thay.
    Uau! EU amo livros que abordam essa temática e fico muito surpresa com o rumo que a obra tem a oferecer. Gosto de narrativas intercaladas, ainda mais sobre um assunto do passado tão atual.
    Beijos.

    Blog: Fantástica Ficção

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